Rádio: a arte de cortar palavras, de Thiago Uberreich
O jornalismo não é uma ciência exata, ainda bem! Esse manual não tem a pretensão de trazer regras absolutas para o texto jornalístico de rádio. Existem opiniões, estilos e formatos diferentes, dependendo da emissora e da corrente editorial. Mas o que ninguém discute é a clareza que o texto de rádio deve ter. Quanto mais cuidadoso for o texto, mais chamativo será para o ouvinte. Não devemos nos esquecer que o rádio não pode ser improvisado a todo o momento. O texto tem de ser o guia para quem trabalha no rádio. Quanto mais enxuto e conciso, mais direto o repórter, o editor e até o apresentador serão.
Devemos lembrar ainda que escrevemos o texto para alguém que vai ouvir e não para quem vai ler como no jornal ou na internet. E, ao contrário da TV, não temos imagem para ilustrar o texto, o que aumenta a responsabilidade de quem escreve. Escrever para o rádio é, antes de tudo, a arte de cortar as palavras e de usar e abusar dos sinônimos para que o texto não fique repetitivo e chato. Vale aqui uma pequena história, até ingênua, para fechar essa introdução.
Um feirante colocou na barraca que trabalhava o seguinte cartaz: "Vendo peixe fresco hoje". Um cliente parou em frente e ficou olhando desconfiado e sem titubear começou conversar com o feirante:
- Olá, posso te dar uma sugestão?
- Claro!
- Retire a palavra "hoje" dessa placa. As pessoas vão pensar que nos outros dias o peixe que o senhor vende não é fresco.
O feirante riscou a palavra hoje, mas o cliente voltou a sugerir:
- Por que o senhor também não tira a palavra "vendo"? Se está aqui na feira é porque está à venda, obviamente.
O feirante com toda paciência riscou a palavra "vendo". E o cliente não pestanejou:
- Aproveita para tirar a palavra "fresco". Os seus clientes esperam que o senhor só venda peixe fresco. É desnecessário fazer essa referência.
Por último, o cliente implicou com a última palavra do cartaz.
- Pode tirar a palavra "peixe". As pessoas que passam aqui vão ver que o senhor está vendendo peixe e quem for cego vai sentir o cheiro!
O rádio é isso. Não precisa falar tudo. Fale o necessário. Corte as palavras. Seja direto e conciso. Sempre!
- Por que fazer texto em manchete?
A manchete no rádio é uma frase com, no máximo, duas linhas, usando uma fonte 14. As manchetes são intercaladas por um espaço em branco para facilitar a leitura e detectar as palavras repetidas. Algumas emissoras de rádio aboliram o texto “manchetado” por não trabalharem mais com locutores. O texto começou a ser feito no formato de manchete pelos redatores justamente para facilitar a leitura dos locutores. Os textos são feitos em manchete par, já que normalmente são dois presentes no estúdio. Outras rádios pararam de usar a manchete por acreditar que, abolindo o formato, o texto seria mais moderno, menos formal. Discordo dessa tese. O texto pode ser moderno, independente ou não de estar “manchetado”. O fato é: escrever no formato de manchete, independente de quem vai ler, um locutor ou você mesmo, o texto fica mais claro. Você consegue observar melhor o texto, ao contrário das sentenças agrupadas. Devemos lembrar que o texto será ouvido por alguém. Com o texto “manchetado”, você detecta, por exemplo, as palavras repetidas com mais facilidade. E outra: com a manchete tendo, no máximo, duas linhas, quem estiver lendo não vai perder o fôlego. Veja esse exemplo:
- O governo federal anuncia um corte de gastos de 10 bilhões de reais para os próximos três meses como uma maneira de concluir o ajuste fiscal que vem sendo adotado desde o ano passado.
Se essa frase for lida em voz alta, você possivelmente perderá o fôlego. A frase pode ser dividida em duas. Observe:
- O governo federal anuncia um corte de gastos de 10 bilhões de reais para os próximos três meses.
- A redução de despesas faz parte do o ajuste fiscal que vem sendo adotado desde o ano passado.
O texto fica mais claro e quem está lendo não vai perder o fôlego. Pode cronometrar! Cada manchete dura mais ou menos uns dez segundos. Outra dica preciosa é ler sempre o texto em voz alta. É como se fosse um ensaio.
Ordem direta e o uso do artigo
Dê preferência pelo texto na ordem direta. Claro que em alguns casos, a inversão pode ser importante para dar ênfase a alguma informação. Mas não devemos nos esquecer que estamos contando uma história. Tudo deve ser claro e direto. É importante também começar as frases com o artigo. As vezes as emissoras cortam o artigo da manchete principal. O autor do Manual de Redação e Estilo do Estadão, Eduardo Martins, dizia que a falta de artigo é erro de português. Mas, enfim, devemos respeitar a linha de cada emissora. O importante é saber escrever nas duas formas. Eu pessoalmente concordo com Eduardo Martins. Quem corta artigo é o jornal em papel que precisa encaixar o título no espaço adequado.
Teoria da quarta linha
Você que está lendo esse pequeno manual certamente vai estranhar esse título: “teoria da quarta linha”. Já dissemos que o jornalismo não é uma ciência exata. E esse título parece com algo da física, da química ou da matemática. No entanto, a expressão é feita para ser chamativa e vai fazer você não esquecer nunca de uma importante regra ao escrever um texto de rádio. Observe esse texto:
- O Congresso Nacional aprova a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
- A redução é um tema polêmico que mobiliza debates no Congresso desde os anos noventa.
- A proposta agora será discutida por uma comissão interna da Câmara dos Deputados antes de chegar ao plenário.
- A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos divide opiniões de especialistas.
Perceba que esse texto tem uma repetição exagerada de palavras. Assim como na primeira manchete, na segunda também usamos “Congresso” e “redução”. É exatamente isso que devemos simplesmente abolir do texto do rádio. Para que repetir se temos à disposição tantos sinônimos e outros formatos de escrita? Precisamos entender que no rádio devemos escrever pouco. Repetir palavras torna o texto cansativo e, claro, repetitivo demais e chato para o ouvinte. O texto melhorado seria assim:
- O Congresso Nacional aprova a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
- O tema é polêmico e mobiliza debates no parlamento desde os anos noventa.
- A proposta agora será discutida por uma comissão interna da Câmara dos Deputados antes de chegar ao plenário.
- A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos divide opiniões de especialistas.
Note: trocamos da segunda linha “Congresso” por “parlamento” e a palavra “redução” foi suprimida da segunda linha e só volta a aparecer na quarta linha. Portanto, a tal da “teoria da quarta linha” é isso, você só repetirá uma palavra nesse intervalo. Uma palavra usada na primeira linha só voltará a ser usada na quarta linha. Isso vale também para os verbos e outras expressões. Se você usa “será”, “é”, “vai” ou “vão”, “para” e “foi”, por exemplo, não os use de novo na linha seguinte. O texto fica pobre e repetitivo. Dê um intervalo. Temos mais um exemplo:
- A proposta de redução da maioridade penal foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
- A proposta segue agora para a votação em plenário e as discussões já mostram a divisão de opiniões.
A palavra “proposta” está repetida. Simplesmente podemos fazer a troca por projeto, medida, iniciativa, etc. É bom lembrar que sempre temos alternativas para não repetir palavras.
Com nome de pessoas vale a mesma teoria. Mais um exemplo de repetição:
- A presidente Dilma Roussef afirma que a economia brasileira vai crescer cinco por cento nesse ano.
- Para Dilma, o crescimento será consequência da melhora na produção industrial.
- Ela confirma que enviará ao Congresso Nacional um pacote voltado aos micro e pequenos empresários.
- A presidente acredita que a economia vai se recuperar ainda em dois mil e catorze.
Se você escreveu Dilma Roussef na primeira linha, não repita na segunda construção. Aliás, no rádio, devemos evitar mencionar pessoas públicas somente com o primeiro ou o segundo nome. A não ser que seja um jogador de futebol como Neymar, Robinho e Guerrero. O ouvinte deve ter sempre a referência clara de quem estamos falando. A construção fica melhor assim:
- A presidente da República afirma que a economia brasileira vai crescer cinco por cento nesse ano.
- Para Dilma Roussef, a expansão será consequência da melhora na indústria.
- Ela confirma que enviará ao Congresso Nacional um pacote voltado aos micro e pequenos empresários.
- A presidente acredita que a economia vai se recuperar ainda em dois mil e catorze.
Note: só voltamos a usar “presidente” na quarta linha. Usamos então: “presidente”, “Dilma Roussef”, “ela” e presidente de novo. Eu não vejo problema em usar “ela”, mas é importante dizer que alguns manuais de rádio vetam o uso pela informalidade. Mas por ser uma linguagem comum, não vejo problema. Se fosse um texto político, por exemplo, poderíamos usar também a expressão “petista” ou “a integrante do PT”. Normalmente em um texto sobre campanha política caberia o termo. Já vi redatores usando “mandatário” ao se referir a um chefe de estado. Eu pessoalmente não gosto. Acho muito formal.
Repare também que trocamos a palavra crescimento da segunda linha por expansão. Na primeira linha está escrito “crescer” e não fica bom na segunda linha escrever “crescimento”. É sempre bom mudar. Use e abuse dos sinônimos.
Volto a dizer que o jornalismo não é ciência exata. As vezes a repetição proposital pode ser interessante para fazer uma ironia ou enfatizar algo. Vale o bom senso.
Risque “seu” e “sua”.
Essa é uma regra muito importante. Simplesmente risque do dicionário do rádio a expressão “seu” e “sua”. Faça uso apenas quando se referir ao ouvinte como por exemplo: “Mande a sua mensagem para a Jovem Pan”. Em texto de notícia, não use “seu” e “sua”. Use “dele” ou “dela”. Alguns exemplos:
- O governador de São Paulo deixou o evento no Anhembi e entrou no seu carro.
Troque:
- O governador de São Paulo deixou o evento no Anhembi e entrou no carro dele.
Outro exemplo:
- O marido matou a sua mulher na frente dos filhos.
É claro que sabemos que o “sua” não se refere à mulher do ouvinte. Mas é sempre bom evitar esse tipo de construção.
- O marido matou a mulher na frente dos filhos.
Simplesmente suprimimos o “sua”. Vale o mesmo para a seguinte frase.
- O ex-presidente Lula passou por uma bateria de exames no Instituto do Coração e ficou seis horas aos cuidados de seu médico.
Podemos trocar por “aos cuidados do médico dele”. Em outros casos, basta simplesmente cortar o “seu” e “sua” ou fazer a substituição por “o” ou “a”, “um” e “uma”. Exemplos:
- A presidente Dilma Roussef passa férias com sua família.
Melhor:
- A presidente Dilma Roussef passa férias com a família.
Note que o uso de “sua família” é totalmente desnecessário. Mais exemplos:
- O deputado Ulisses Guimarães esteve no Incor e deixou seu voto de confiança pela recuperação do presidente Tancredo Neves.
Substituindo então o “seu” por “um”:
- O deputado Ulisses Guimarães esteve no Incor e deixou um voto de confiança pela recuperação do presidente Tancredo Neves.
Eliminar o “seu” e “sua” no rádio também é positivo para evitar ambiguidades:
- O governador Geraldo Alckmin visitou o senador Aécio Neves com sua esposa.
Essa frase para quem ouve no rádio é péssima. Claro que estamos falando sobre a esposa de Geraldo Alckmin, mas fica muito confuso.
- O governador Geraldo Alckmin, acompanhado da esposa, visitou o senador Aécio Neves.
Ou ainda:
- O governador Geraldo Alckmin visitou o senador Aécio Neves e estava acompanhado da primeira dama de São Paulo.
Perca sempre alguns minutos pensando na melhor construção possível. Temos inúmeras alternativas. O redator não pode ser preguiçoso. Use e abuse dos sinônimos, das alternativas e risque “seu” e “sua”.
Esse, essa e isso.
Os pronomes demonstrativos são muito usados por nós no rádio, principalmente durante o improviso. No entanto, se temos tempo para escrever, é bom evitá-los. O texto fica mais claro. Por exemplo:
- A inflação em São Paulo subiu um por cento em junho na comparação com maio.
- O IPC da Fipe indica que esse aumento foi provocado pela alta dos alimentos.
Não devemos esquecer que estamos escrevendo para o rádio. Ninguém está vendo o aumento. Basta fazer a substituição:
- O IPC da Fipe indica que o aumento foi provocado pela alta dos
alimentos.
Pode ser preciosismo, mas o texto ficará mais direto e claro. Quando você está fazendo uma referência temporal, como nessa semana ou nesse mês, aí é diferente. Pois isso facilita a localização pelo ouvinte.
Evitando as rimas
Devemos lembrar sempre que estamos escrevendo para o rádio. O texto será lido. As palavras tem sonoridade. Ler o texto em voz alta é importantíssimo. Isso ajuda evitar expressões como:
- A comunicação da Polícia Militar informa que a participação da população no protesto da Consolação foi exemplar, sem violência.
Leia esse texto em voz alta. A rima causada pelo excesso de “ão” na frase fica insuportável. Se o texto é de jornal, até passa, mas no rádio não dá para aceitar. Outro exemplo:
- O Congresso Nacional aprova a redução da maioridade penal ao entender que a mudança é constitucional.
“Nacional” rima com “penal” e com “constitucional”. As duas frases dadas acima como exemplos poderiam ser escritas assim:
- A Polícia Militar informa que a presença dos manifestantes no protesto da Consolação foi exemplar, sem violência.
- O Congresso Nacional aprova a maioridade aos 16 anos ao entender que a mudança não fere a constituição.
O texto de rádio é cirúrgico. É como se você estivesse construindo um quebra- cabeças. As peças à disposição são inúmeras. Basta construir com cuidado, atenção e sem preguiça.
Evitando os jograis
O texto manchetado deve ter começo meio e fim. Não deixe para completar a primeira frase na segunda. Por exemplo:
- O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, troca farpas com parlamentares em meio a crise política e afirma que está decepcionado.
- E emenda, dizendo que não vai levar desaforo para casa.
Se você está escrevendo o texto para um locutor, o formato não é apropriado. Devemos sempre fazer referência a quem está falando. Melhor fica:
- O presidente da Câmara dos Deputados troca farpas com parlamentares em meio a crise política e afirma que está decepcionado.
- Eduardo Cunha emenda dizendo que não vai levar desaforo para casa.
O texto está mais claro e o ouvinte sempre tem a referência de quem estamos falando. Note também que o cargo “presidente da Câmara dos Deputados” está na primeira linha e o nome “Eduardo Cunha” vem na segunda linha. Como ele é o único presidente da Câmara, podemos fazer essa separação. Se o cargo não fosse único não caberia. Por exemplo.
- Engenheiro afirma que o trânsito em São Paulo piorou nos últimos dez anos.
- Luiz Célio Botura cobra o poder público por obras de metrô e corredores de ônibus.
Na primeira manchete usamos “engenheiro”. Podemos perguntar. Que engenheiro? Luiz Célio Botura não é o único engenheiro que conhecemos. A construção mais adequada seria essa:
- O engenheiro Luiz Célio Botura afirma que o trânsito em São Paulo piorou nos últimos dez anos.
- O especialista cobra o poder público por obras de metrô e corredores de ônibus.
O texto está mais claro, completo e facilita a compreensão pelo ouvinte.
Ênclise
Devemos pensar que no rádio estamos conversando com os ouvintes. É claro que devemos respeitar a norma culta, mas não podemos exagerar nos formalismos. A ênclise fica muito formal no rádio.
- O ministro da Justiça esteve com a presidente Dilma Roussef e fez questão de informá-la sobre o andamento do processo.
O texto está correto, claro, mas a gente não conversa com alguém usando ênclise. É muito formal. Podemos mudar para:
- O ministro da Justiça esteve com a presidente da República e fez questão de informar Dilma Roussef sobre o andamento do processo.
Ou ainda:
- O ministro da Justiça informou a presidente Dilma Roussef sobre o andamento do processo, depois de uma reunião no Palácio do Planalto.
Note que temos inúmeras alternativas. O texto fica mais claro, corrido e de fácil entendimento ao ouvinte.
Cargo ou nome na frente?
Essa regra é muito importante. Devemos colocar sempre o cargo na frente:
- O presidente do Senado, Renan Calheiros....
- O diretor da Faculdade de Urbanismo do Mackenzie, Valter Caldana....
Devemos lembrar que só usamos a vírgula quando a autoridade é única como nos exemplos acima. Não usamos vírgula quando a autoridade é um engenheiro, um economista, etc. Note:
- O economista chefe do Bradesco, Octávio de Barros....
Agora, quando nos referimos a essa autoridade apenas como economista não devemos colocar a vírgula:
- O economista Octávio de Barros declarou....
Declaração dos entrevistados.
Ao escrever um texto de rádio sempre fazemos menção a declarações de autoridades. Nesse caso devemos usar e abusar dos sinônimos. Aqui um exemplo equivocado:
- O secretário da Fazenda de São Paulo disse que vai aumentar o ICMS das empresas de informática.
- Renato Vilella disse ainda que a correção do imposto não trará problemas ao setor.
A pergunta é: para que usar “disse que” duas vezes? Temos muitas opções: afirma, declara, ressalta, destaca, salienta, completa, acrescenta, acentua, pondera, lembra, observa, etc. Você pode usar também em começo de frase: de acordo com, segundo, na avaliação de, na opinião de, etc. Vale lembrar também que normalmente a primeira manchete, ou seja, o lead, deve ser escrita no presente. Mas isso varia com o bom senso de quem escreve.
Anunciando e desanunciando o entrevistado nas sonoras.
Essa é uma regra importante para editores e repórteres quando anunciam o que o entrevistado vai falar na sequência. Uma dica de ouro é a seguinte: evite chamadas pobres. Exemplos:
- O delegado conta como tudo aconteceu:
- O economista explicou qual será o impacto do aumento da inflação no custo de vida das pessoas:
Nesses dois exemplos, quem escreve não dá nenhuma informação. Isso enfraquece o texto. Empobrece o conteúdo. Não se esqueça: dê SEMPRE uma informação ao chamar a sonora. Diga em outras palavras o que o entrevistado vai falar. O seu texto é o cartão de visita para o ouvinte ficar atento para a sequência da reportagem.
- O delegado conta que o crime ainda não foi esclarecido:
- O economista explica que o aumento da inflação vai impactar de imediato no custo de vida das pessoas:
Quando a sonora acabar tente dar sempre mais uma informação dita pelo entrevistado. Essa regra é cada vez mais esquecida por editores e repórteres. Mas pense o seguinte: e se o ouvinte ligar o rádio no meio da sonora? Quem está falando? Pior ainda quando temos uma edição com duas sonoras. Quando termina a primeira gravação e chamamos direto quem vai falar na segunda sonora, fica muito confuso. Uma boa construção é a seguinte, depois de uma gravação:
- O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, acrescenta que o governo deveria incentivar o consumo das famílias.
- Já na opinião do sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Congresso Nacional precisa fazer o debate:
Nesse exemplo, você desanuncia o primeiro entrevistado e faz uma costura para o que vai falar a segunda fonte. Evite também no fim das gravações as seguintes expressões:
- Palavras a Jovem Pan do fulano de tal.....
- Ouvimos na Jovem Pan fulano de tal
Claro que essa regra não se aplica quando vamos encerrar uma entrevista ao vivo ou gravada. Nesse caso temos que falar: entrevistamos na Jovem Pan...
Obviamente a regra de desanunciar o entrevistado depende de bom senso. Quando estamos fazendo uma matéria especial em que as sonoras são mais curtas e diretas podemos dispensar essa técnica em favor da agilidade. Mas quando se trata de uma edição mais formal, devemos sempre que possível mencionar quem acabou de falar.
Cuidado com o excesso de números
O uso de números no rádio é sempre complicado. Ao contrário de um texto escrito, se você usa no rádio um número atrás do outro, o ouvinte vai se perder. O melhor é usar um número e dar o intervalo de uma manchete ou até duas para voltar a dar um novo número. No caso do mercado financeiro, não há muita alternativa, mas podemos reforçar as informações e usar alguns artifícios para que o ouvinte preste mais atenção:
- O dólar comercial fechou o dia a três reais e cinquenta centavos: 3 e 50 foi a cotação da moeda americana.
Devemos também evitar começar frase com números. Exemplo:
- 85 por cento da população é favorável ao impeachment da presidente Dilma Roussef, aponta Datafolha.
O ouvinte desatento perdeu a informação principal: 85%. A frase mais clara fica assim:
- Uma pesquisa Datafolha indica que 85 por cento da população é favorável ao impeachment da presidente Dilma Roussef.
Devemos evitar também números que não dizem absolutamente nada. Veja:
- O índice de crescimento da Zona do Euro em janeiro chegou a zero vírgula dois por cento, um aumento de zero vírgula sete por cento sobre 2014.
Essa informação para o rádio é uma temeridade. Ninguém consegue absorver o que representam esses números. Prefira uma informação mais direta, dando exemplos, mesmo que não citemos os números:
- A economia da Zona do Euro volta a apresentar discreto crescimento em janeiro na comparação com dezembro.
- A alta ainda está abaixo de um por cento, mas indica que a crise vai ficando para trás.
Nós não dissemos que a alta foi de zero vírgula dois, mas demos uma noção para o ouvinte da importância do crescimento para a Zona do Euro. Ao citar números, use o seu bom senso. Nem sempre precisamos escrever por extenso. Mas é bom lembrar o seguinte. Quando fazemos referência a pessoas, por exemplo, devemos obrigatoriamente escrever o número por extenso. Veja:
- Um acidente com um avião da TAM provoca a morte de192 pessoas.
Correto:
- Um acidente com um avião da TAM provoca a morte cento e noventa e duas pessoas.
A primeira frase serve para “derrubar” o locutor. Sempre que possível escreva por extenso “vírgula” e “por cento”. Outra dica importante:
- A Petrobras consegue financiamento de 3,5 bilhões de dólares de banco chinês.
Nesse caso, devemos escrever três bilhões e meio e não três vírgula cinco bilhões.
Siglas, abreviaturas de instituições, entidades e cargos.
No caso de siglas e abreviaturas, devemos também usar o bom senso. Quando a entidade é conhecida, como o IBGE, não há necessidade de escrever o nome por inteiro. Mas é importante lembrar que o nome por extenso pode servir como sinônimo. Por exemplo:
- O Fundo Monetário Internacional anuncia repasse de recursos de 5 bilhões de dólares ao Brasil.
- O objetivo do FMI é ajudar o país a recuperar a economia interna e ampliar os investimentos.
A sigla FMI é conhecida, mas nesse caso escrevemos por extenso na primeira manchete e usamos a sigla como sinônimo na segunda. Atente também, no caso dos sinônimos, usar a referência correta. Veja essa lista de sinônimos:
- IBGE: instituição ou instituto.
- Associação Paulista de Medicina, Abimaq, Anfavea, Força Sindical, CUT: entidade.
- Qualquer ministério ou secretaria: “pasta”.
- Prefeitura: administração municipal, executivo.
- Congresso, Senado, Câmara, Assembleias: legislativo.
- Deputado, senador ou vereador: parlamentar.
- Desembargador: magistrado.
- Procurador ou promotor: integrante do Ministério Público (prefira sempre integrante, não use membro. Membro é só parte do corpo).
- Professor: docente
Dicas finais
Nomes estrangeiros
Se o nome for de alguém desconhecido, nem perca tempo. Nomes estrangeiros devem ser utilizados se acrescentar alguma coisa na informação.
- O delegado iraquiano Qais al-Azzawi informou que a reunião está prevista para sexta-feira.
O nome é dispensável e não acrescenta nada na informação por ser uma pessoa desconhecida. Basta fazer uma substituição genérica:
- Um delegado iraquiano informou que a reunião está prevista para sexta-feira.
A hora certa no rádio
Quando alguém te pergunta a hora, como você responde? Se for à noite você certamente vai responder nove da noite e não vinte e uma horas. No rádio diga uma da tarde, duas da tarde, três da tarde...nove da noite, dez da noite, onze da noite.... No caso de meio-dia, não diga doze horas. No caso de meia-noite, não dia zero hora ou vinte quatro horas como já ouvi. Prefira sempre a forma mais simples.
Acontecer
Essa dica é importante, por exemplo, para quem escreve roteiros culturais. Não diga nunca: “o evento acontece”. Utilize “acontecer” para algo imprevisto como: “o acidente aconteceu” ou o que poderá acontecer se o carro perder o freio. Escreva assim:
- O show de Maria Rita será às dez da noite no Instituto Cultural do Banco do Brasil (não escreva o show acontece).
- A exposição fica aberta de segunda a sexta-feira (não escreva a exposição acontece).
Onde
O onde é talvez a palavra mais usada de forma equivocada no rádio. Quem nunca ouviu: o filme onde, o jogo onde, a cena onde, o concerto da orquestra onde!!! O onde deve ser usado apenas para fazer referência a um lugar físico: casa onde morou; em Brasília, onde...; no Congresso Nacional, onde...Não se esqueça dessa regra.
Ele e ela
Use ele e ela só quando se referir a pessoas.
Mais e Maiores
O correto é: mais informações e mais detalhes sobre o assunto e nunca maiores informações e maiores detalhes!
Repercutir
Alguns modismos viram uma praga na língua portuguesa. Não existe “repercutir”. A notícia sim tem uma determinada repercussão, mas o jornalista não repercute a informação. Ao entrevistar alguém, nunca diga: “vamos repercutir a alta do dólar”. Diga: “Para falar mais sobre a alta do dólar” ou “vamos falar sobre a alta do dólar”. Só mais uma dica para o término de entrevistas. Nós nunca agradecemos a participação. Devemos agradecer fulano de tal pela participação, pela atenção, etc. É o mesmo princípio de “desculpe a nossa falha”. O correto é “desculpe-nos pela falha”.
Por conta
Outro modismo é “por conta” . Não use esta expressão:
- O Banco Central decide aumentar a taxa de juros por conta da inadimplência.
Prefira:
- O Banco Central decide aumentar a taxa de juros em razão da
inadimplência.
- O Banco Central decide aumentar a taxa de juros para conter a inadimplência.
A expressão “por causa” é muitas vezes rejeitada por manuais de redação. O problema é a cacofonia. No entanto, não vejo problema em usar.
Mesmo período e igual período
Prefira “igual período do ano passado” e não “mesmo período do ano passado”.
Concordância com maioria, boa parte e números.
Fique atento para a concordância: “a maioria é” e não “ a maioria são”. “Boa parte dos alunos sabe que....”. “Um milhão de pessoas não sabem ler e escrever”. Atente para a concordância: “Uma pesquisa mostra que 50 por cento sabem ler e escrever”. Quando colocamos uma palavra no singular depois da porcentagem a concordância fica melhor no singular: “Uma pesquisa mostra que 50 por cento da população sabe ler e escrever”.
Muitos, vários e alguns
As vezes é desnecessário usar essas expressões. Como por exemplo: Vários bairros de São Paulo estão sem água. Corte “vários”. A expressão “vários” pode se referir a cinco, quinze ou mais bairros. Diga simplesmente: bairros de São Paulo se você não souber o número exato. Isso vale para muitos e alguns. Outro exemplo: “O jogador levou alguns pontos na testa”. Se você não sabe quantos pontos foram, diga simplesmente: “O jogador teve de levar pontos na testa”.
- Porcentual ou percentual
As duas formas estão corretas, mas, no rádio, prefira porcentual. O ouvinte compreende mais fácil por ser uma derivação de por cento.
- Despercebido x Desapercebido
Despercebido é sinônimo de não perceber. Desapercebido é desprevenido.
- Através
Usamos o através apenas no sentido de atravessar: “O homem foi jogado através do vidro”. Substitua “através” por “por meio”: “Conheceu a namorada por meio de um amigo” e não através de um amigo. Outro exemplo: “Participe da programação através do Viber”. Está errado. Diga: “Participe da programação pelo Viber”.
- Junto ao
Esse é outro modismo. Substitua sempre que possível. Exemplos: “O braço estava colado junto ao corpo”. Substitua por: “O braço estava colado no corpo”. Outro exemplo: “O deputado estacionou o carro junto à Assembleia”. Mude: “O deputado estacionou o carro na Assembleia”, “ao lado da Assembleia” ou “perto da Assembleia”.
- Realiza e realizar
Se escrever para o rádio é a arte de cortar palavras, essa é uma palavra formal e totalmente dispensável. “O jogo será realizado no Pacaembu”. Simplesmente corte: “O jogo será no Pacaembu”. Faça o teste com outras frases. “Realizar” e “realizado” podem ser eliminados de qualquer frase sem prejudicar o sentido, a não ser que você esteja falando sobre “um sonho realizado” ou realização de um sonho”. Um outro exemplo: “Os comerciantes estão realizando promoções na Páscoa”. Troque realizando por fazendo. Fica mais informal.
- Há
Tome cuidado com o “há”. Como estamos escrevendo para o rádio, é bom tomar cuidado. Veja o exemplo: “Na Castelo Branco, há lentidão do quilômetro 50 ao 40...”. Será que o ouvinte sabe que esse “há” é de haver? Olhe a diferença: “Na Castelo Branco, a lentidão vai do quilômetro 50 ao 40”. O som do “há” e “a” é o mesmo. Se puder, substitua sempre. Claro que quando falamos “há dez anos” a situação é diferente.
- Senhor, doutor e você
Devemos sempre tratar com respeito os nossos entrevistados. Qualquer autoridade deve ser chamada pelo cargo que ocupa (prefeito, governador, presidente, senador, vereador ou deputado). Mesmo se o entrevistado for um ex-senador, um ex-presidente, um ex-governador, faça referência a ele como se ainda estivesse no cargo. É uma questão de respeito. Durante uma entrevista, JAMAIS se dirija a essas autoridades por “você” ou pelo primeiro nome ou sobrenome. No caso de médico e advogado, podemos usar “doutor”. O “você” cabe em uma entrevista descontraída com ator, músico ou até um jornalista. Vale sempre o bom senso.
- Respectivamente
Imagine você ouvindo o rádio e um locutor diz o seguinte: “O governador chegou à festa com Lu Alckmin e Sophia Alckmin, esposa e filha dele, respectivamente”. Jamais faça uma construção dessa no rádio. O ouvinte se perde. Prefira: “O governador chegou à festa com a primeira dama, Lu Alckmin, e com a filha Sofia. Outro exemplo: “Os túneis Tribunal de Justiça e Jânio Quadros serão fechados de madrugada para limpeza e pintura, respectivamente”. Nunca use respectivamente no rádio. Dê sempre a informação direta: “Os túneis Tribunal de Justiça e Jânio Quadros estarão fechados de madrugada para reparos”. A quem interessa saber qual vai passar por pintura ou por limpeza? O rádio é prestação de serviço. A informação importante é sobre o fechamento dos túneis.
Thiago Uberreich é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Começou a carreira, em 1996, na Rádio Eldorado de São Paulo (atual Estadão). Passou pelas funções de redação, edição, reportagem e apresentação.
Em 2005, recebeu convite para integrar a equipe de reportagem da Jovem Pan. Participou de inúmeras coberturas e atuou como setorista no Palácio dos Bandeirantes. Desde março de 2016, apresenta o Jornal da Manhã (6hs às 10hs).
Em 2010, venceu o prêmio Embratel, categoria Reportagem Esportiva, com a série Histórias das Copas, veiculada nos meses que antecederam o mundial na África do Sul. Em 2011, levou ao ar a série "Vozes do Tri", sobre a conquista da Copa de 70. Em 2012, fez a série "50 anos do bi". Em 2015, produziu "A Copa que nunca acabou", sobre o mundial de 1950. Em 2016, conseguiu reunir os áudios na íntegra dos seis jogos da seleção brasileira em 50. Possui um dos maiores acervos pessoais de vídeos de futebol do país. São 4 mil horas de gravação (2 mil DVDs).
Fonte: Manual de Texto de Rádio
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